Eram todos, aparentemente iguais naquele trem. Nenhum destaque. Nenhum
sinal. Nenhum sorriso. Cada qual no seu mundo. E cada mundo fechado em sua
própria concha. Sem emoção.
Ao entrar um bêbado sorrindo e falando sozinho, alguns sorriam pelos
cantos da boca, outros se entreolhavam, mas nenhum ousava dizer uma só palavra.
O bêbado alegre sentou-se no chão e começando a cantar enquanto
cumprimentava as pessoas ao seu redor, mas dos demais, nada teve em troca. Nenhum
aceno, nenhum oi, nada!
Imagino que muitos dentro de si mesmos se diziam: “É só um bêbado, coitado...”
ou quem sabe até “Que coisa mais ridícula...”. Será?
Em meio a essa cena inusitada, surge uma mulher em um dos vagões a
gritar pedindo uma esmola, uma ajuda e se queixar da dor que sentia em seus
ossos. E que esse era o motivo de sua desventura, de sua incapacidade para o
trabalho. Enquanto pedia e gritava não encontrava uma mão estendida, uma moeda
ou um sorriso qualquer. Nenhum gesto de compaixão. NADA!
Imagino o que se passava no interior de sua pobre alma, a dor da
indiferença, a dor de sentir-se invisível no mundo, para o outro. A dor de
sentir-se um Zé ninguém. Com toda certeza todos a percebiam, mas era melhor
fingir que não. Nós, seres humanos, tendemos a não suportar o sofrimento e a dor
de perto. É melhor não ver o que nos faz sentir dor. Mesmo quando a dor vem não
sei de onde e não sei por quê.
Mas sem ninguém perceber, alguém a olhava e se compadecia. Alguém além
de Deus, alguém ali no trem. O bêbado a olhava e sorrindo num pulo se levantou,
e pegou seu caixote de madeira. De lá um alface retirou. Sorrindo com ar
inocente, talvez pela sua embriaguez lhe estendeu a mão.
Acredito que muitos nesse momento se envergonharam, assim como eu. No
meu íntimo me senti envergonhada! Que vergonha! Senti vergonha de ser eu
naquele momento diante daquele gesto. Era só um pé de alface, mas o que ele
significava naquele momento era muito mais que isso. Penso que Deus, naquele
exato momento, se compadeceu daquele homem e que sua bebedeira perdeu o sentido.
Naquele momento penso que Deus absolveu todos os erros daquele pobre
homem e a sua alma enobreceu, por um simples gesto. O bêbado, sem perceber, se
fez grande, maior que qualquer um ali naquele trem. Inclusive eu! O bêbado foi
protagonista de um gesto nobre e admirável. Percebi que muitos abaixaram a
cabeça, outros se entreolhavam. Vergonha? Talvez!
Na verdade, acredito que os menores e imperceptíveis gestos são
maiores do que qualquer grande gesto, qualquer grande oferta. As maiores
ofertas são aquelas feitas com a verdade do coração. Penso em quantos R$ 0,05,
R$ 0,10, R$ 0,50 ou R$ 1,00 sobrando nos bolsos e bolsas ali... Quantos? Provavelmente
a maioria tinha uma moeda e essa moeda não lhe faria falta. Mas porque ninguém
deu nada?
O problema está em nosso dia a dia que nos caleja, nos endurece frente
à vida, à dor alheia e nos torna “imunes” a nossa própria dor e sofrimento.
Melhor assim! Pra quê entrar em contato com uma realidade que nos faz sofrer? São
tantas as mazelas, todos os dias, em cada esquina, na TV, nas casas, nas ruas,
nas escolas...
O melhor é cegar, do que nos deparar com a dura realidade do dia a dia.
Protegemos-nos, nos isolamos, criamos o nosso mundo e vivemos somente nele. Mas
não podemos nos esquecer de nos permitir tocar e sermos igualmente tocados. Precisamos
ser afetados pelo afeto e a afeição ao próximo.
Precisamos afetar o outro com a nossa compaixão. Isso faz bem! Viver
sabendo repartir. É preciso perceber que dar é mais satisfatório, nobre e recompensador
do que só receber, só ter. Acredito que o amor de um modo geral ainda é a
melhor opção da razão de SER.