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quarta-feira, 27 de março de 2013

O DIA QUE O ZÉ NINGUÉM SUBLIMOU ALGUNS



Eram todos, aparentemente iguais naquele trem. Nenhum destaque. Nenhum sinal. Nenhum sorriso. Cada qual no seu mundo. E cada mundo fechado em sua própria concha. Sem emoção.
Ao entrar um bêbado sorrindo e falando sozinho, alguns sorriam pelos cantos da boca, outros se entreolhavam, mas nenhum ousava dizer uma só palavra.

O bêbado alegre sentou-se no chão e começando a cantar enquanto cumprimentava as pessoas ao seu redor, mas dos demais, nada teve em troca. Nenhum aceno, nenhum oi, nada!
Imagino que muitos dentro de si mesmos se diziam: “É só um bêbado, coitado...” ou quem sabe até “Que coisa mais ridícula...”. Será?

Em meio a essa cena inusitada, surge uma mulher em um dos vagões a gritar pedindo uma esmola, uma ajuda e se queixar da dor que sentia em seus ossos. E que esse era o motivo de sua desventura, de sua incapacidade para o trabalho. Enquanto pedia e gritava não encontrava uma mão estendida, uma moeda ou um sorriso qualquer. Nenhum gesto de compaixão. NADA!

Imagino o que se passava no interior de sua pobre alma, a dor da indiferença, a dor de sentir-se invisível no mundo, para o outro. A dor de sentir-se um Zé ninguém. Com toda certeza todos a percebiam, mas era melhor fingir que não. Nós, seres humanos, tendemos a não suportar o sofrimento e a dor de perto. É melhor não ver o que nos faz sentir dor. Mesmo quando a dor vem não sei de onde e não sei por quê.

Mas sem ninguém perceber, alguém a olhava e se compadecia. Alguém além de Deus, alguém ali no trem. O bêbado a olhava e sorrindo num pulo se levantou, e pegou seu caixote de madeira. De lá um alface retirou. Sorrindo com ar inocente, talvez pela sua embriaguez lhe estendeu a mão.

Acredito que muitos nesse momento se envergonharam, assim como eu. No meu íntimo me senti envergonhada! Que vergonha! Senti vergonha de ser eu naquele momento diante daquele gesto. Era só um pé de alface, mas o que ele significava naquele momento era muito mais que isso. Penso que Deus, naquele exato momento, se compadeceu daquele homem e que sua bebedeira perdeu o sentido.

Naquele momento penso que Deus absolveu todos os erros daquele pobre homem e a sua alma enobreceu, por um simples gesto. O bêbado, sem perceber, se fez grande, maior que qualquer um ali naquele trem. Inclusive eu! O bêbado foi protagonista de um gesto nobre e admirável. Percebi que muitos abaixaram a cabeça, outros se entreolhavam. Vergonha? Talvez!

Na verdade, acredito que os menores e imperceptíveis gestos são maiores do que qualquer grande gesto, qualquer grande oferta. As maiores ofertas são aquelas feitas com a verdade do coração. Penso em quantos R$ 0,05, R$ 0,10, R$ 0,50 ou R$ 1,00 sobrando nos bolsos e bolsas ali... Quantos? Provavelmente a maioria tinha uma moeda e essa moeda não lhe faria falta. Mas porque ninguém deu nada?
O problema está em nosso dia a dia que nos caleja, nos endurece frente à vida, à dor alheia e nos torna “imunes” a nossa própria dor e sofrimento. Melhor assim! Pra quê entrar em contato com uma realidade que nos faz sofrer? São tantas as mazelas, todos os dias, em cada esquina, na TV, nas casas, nas ruas, nas escolas...

O melhor é cegar, do que nos deparar com a dura realidade do dia a dia. Protegemos-nos, nos isolamos, criamos o nosso mundo e vivemos somente nele. Mas não podemos nos esquecer de nos permitir tocar e sermos igualmente tocados. Precisamos ser afetados pelo afeto e a afeição ao próximo.

Precisamos afetar o outro com a nossa compaixão. Isso faz bem! Viver sabendo repartir. É preciso perceber que dar é mais satisfatório, nobre e recompensador do que só receber, só ter. Acredito que o amor de um modo geral ainda é a melhor opção da razão de SER.

 Ana Cristina, 27/03/2013.